A EMERGÊNCIA E O CAMPO DA TEORIA ORGANIZACIONAL
O
mundo vem sendo modificado por guerras, movimentos civis e revoluções culturais.
Clegg e Hardy (1998) exemplificam esse contexto: implosão do comunismo, a
explosão do neoconservadorismo, a erradicação do apartheid, o avanço do
feminismo, a erosão da dominação comercial dos Estados Unidos e a ascensão do
poder econômico do Leste Asiático. Poderíamos ir mais adiante colocando como
exemplo dessas mudanças o surgimento das organizações virtuais, em rede,
globais e pós-modernas.
Clegg e Hardy (1998) afirmam que existe,
à medida que nos aproximamos do novo milênio, muitos novos fenômenos, novas
condições, novas entidades e até novas organizações para serem exploradas pelos
teóricos da organização. Todas as mudanças que ocorrem no mundo têm grande
implicação na forma como iremos entender os “estudos organizacionais”. O campo
da Teoria Organizacional emerge paralelamente ao contexto dessas mudanças e,
primordialmente, ao nascimento da Revolução Industrial.
Landes (1994) afirma que o cerne
dessa Revolução foi uma sucessão inter-relacionada de mudanças tecnológicas.
Três áreas de destacaram em termos de avanços materiais: (1) substituição das
habilidades humanas por dispositivos mecânicos; (2) energia de fonte inanimada –
especialmente a do vapor – tomou o lugar da força humana e animal; (3) melhora
acentuada nos métodos de extração e transformação das matérias-primas. Parece
que ficaria claro que com a mudança nesses equipamentos e processos, novas
formas de organização industrial começariam a surgir.
Com essas novas tecnologias,
complementa Landes (1994), o tamanho das unidades produtoras aumentou: as
máquinas e a energia exigiram e possibilitaram a concentração da fabricação, e
as oficinas ou as salas de trabalho domiciliares deram lugar às usinas e às
fábricas. Garcia (1981, p. 41) argumenta: “ora, como administrar uma fábrica de
1.500 operários em 1765 sem uma clara e efetiva política gerencial e técnicas
racionalizadoras do trabalho, a fim de se obter lucros e, portanto, remuneração
do capital investido.”
Garcia (1981) afirma que os
regulamentos e normas constituíam uma evidência empírica que comprova a preocupação
com as racionalizações e que a preocupação com organização e métodos já dava
sinais em 1791.
Podemos visualizar essa afirmação através
de Foucault (apud Garcia, 1981) em que ele diz: “Percorrendo-se o corredor central da oficina, é possível realizar uma
vigilância ao mesmo tempo geral e individual: constatar a presença, a aplicação
do operário, a qualidade de seu trabalho; comparar os operários entre si,
classificá-los segundo sua habilidade e rapidez;
acompanhar os sucessivos estágios da fabricação. Todas essas seriações formam
um quadriculado permanente: as confusões se desfazem; a produção se divide e o
processo de trabalho se articula por um lado segundo suas fases, estágios ou
operações elementares e, por outro, segundo os indivíduos que o efetuam, os
corpos singulares que a ele são aplicados: cada variável dessa força-vigor,
rapidez, habilidade, constância – pode ser observada, portanto caracterizada,
apreciada, contabilizada e transmitida a quem é o agente particular dela.”
Asthon (apud Garcia, 1981) afirma
que não haveria possiblidade de uma Revolução Industrial provocando uma radical
mudança na atividade econômica sem uma “revolução” que mudasse os métodos de
direção de uma imensa riqueza que se produzia na Inglaterra, notadamente na
indústria têxtil e metalúrgica.
O grande desafio para um administrador
nessa época era conjugar a seleção de operários com capacidade de aprenderem as
novas técnicas e ao mesmo tempo serem suscetíveis de se submeterem à disciplina
da fábrica.
Um novo cenário começou a surgir.
Indústria em expansão, mercado externo atrativo e forte, tecnologia da máquina
a vapor em plena operação, propiciando elevados ganhos de produtividade. No
entanto surgia uma pergunta: como contratar operários com capacidade para
assimilar novas técnicas e de se submeterem à disciplina da fábrica?
Conforme coloca Garcia (1981), os
empregadores britânicos daquela época, constantemente reclamavam da “preguiça”
do operário ou de sua tendência para trabalhar até que tivessem ganho salário
tradicional de subsistência semanal, e então paravam.
Esses patrões sabiam que tinham poucas
opções: ou se faz um incremento absoluto na quantidade de recursos utilizados
via aumento de mão-de-obra ou capital, ou se procura uma maneira de aumentar a
eficiência relativa com que são utilizados os recursos disponíveis mediante
alteração dos métodos de organização.
Lampard (apud Garcia, 1981) afirma que
era imperioso pensar em numa “Ciência das Racionalizações”, para questões tais
como: recrutamento e treinamento dos operários, adaptação dos operários à
rotina e padronização das fábricas, o estabelecimento de relações industriais
impessoais no tocante a questões de horário, condições de trabalho, salários,
etc, como também prever e prover essa classe trabalhadora de habitação, saúde
pública, educação, entre outras, pela simples imposição mais elementar do
capitalismo que é a reprodução da força-de-trabalho.
A ciência da administração vai criando
contornos em função da produtividade. A tecnologia e a forte expansão dos
mercados criam uma nova forma de organizar o trabalho. É assim que nasce a
noção de gerenciamento da força de trabalho que se espalhou e se consolidou na
Inglaterra (Revolução Industrial) de forma definitiva.
Corrobora com essa afirmação o relato de
Thompson (apud Garcia, 1981) de que a necessidade de paz na indústria, de uma
força de trabalho estável e de um corpo de trabalhadores capacitados e
experientes exigia a modificação das técnicas gerenciais – e, na realidade, a
formação de novas formas de paternalismo.
É dessa forma que os estudos
organizacionais começam ter contornos mais robustos. A modernização instigada
pelo despertar do capitalismo trouxe mudanças econômicas, políticas e sociais,
que criaram um mundo fundamentalmente distinto daquele em que imperavam as
formas de produção e administração em pequena escala, típicas das primeiras
fases do desenvolvimento capitalista do século XVIII e princípio do século XIX
(Bendix 1974, apud Reed, 1981).
A ideia é que os teóricos
organizacionais - assim como fizeram aqueles na época da revolução industrial,
da administração científica, da teoria clássica e de tantas outras –
desenvolvam debates para evolução do campo organizacional: debates para
desenvolver uma teoria sobre o assunto, debates para construir uma teoria
organizacional e debates necessários a construção de uma teoria do
desenvolvimento.
Referências
CLEGG,
S.; HARDY, C. Introdução: organização e
estudos organizacionais. In: CLEGG, S.;
C. HARDY, C.; NORD, W. (Org.). Handbook de
estudos organizacionais. Vol. 1. São Paulo: Atlas, 1998. p. 27-57.
GARCIA,
F. C. Repensando o paradigma taylorista
na ciência administrativa: um ensaio sobre os primórdios da racionalização do
trabalho. Belo Horizonte: CAD (Tese para Professor Titular da FACE-UFMG).
(Cap.II)
LANDES,
D. S. Prometeu desacorrentado. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1994. (Cap. 1-Introd.)
REED,
M. Teorização organizacional: um campo
historicamente contestado. In: CLEGG, S.; C. HARDY, C.; NORD, W. (Org.).
Handbook de estudos organizacionais. Vol. 1. São Paulo: Atlas, 1998. p. 61-98.
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