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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Educação Ambiental(EA): algumas considerações


               Para Barbieri (2007, p. 88), uma política pública ambiental deve contemplar a EA como um de seus instrumentos. O Governo, como responsável pelo estabelecimento de leis e normas e a fiscalização do seu cumprimento, tem um importante papel na condução das políticas públicas ambientais. Dessa forma, um dos instrumentos utilizados para conduzir esse tipo de política no Brasil é a Lei Federal nº 9.795, de 27 de abril de 1999 (L9795), que dispõe sobre a EA e institui a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) que foi fortemente orientada pela Constituição Federal de 1988 (CF, 1988), conforme pode-se observar pelos seus artigos 205 e 225:
“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (CF, 1988)

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...)
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;” (CF, 1988)

            Apesar da orientação sofrida pela CF, a L9795 - assim como muito do que dispõe a legislação nacional sobre essa matéria - foi profundamente inspirada pelos documentos intergovernamentais que abordam esse tema (Barbieri & Silva, 2011, p.78). Nesse contexto, destaca-se a Carta de Belgrado (1975), importante documento sobre diversas questões pertinentes à EA. Porém, até chegar a Carta de Belgrado (1975), a EA percorreu uma trajetória que a fez passar por importantes documentos intergovernamentais.
Essa trajetória fez com que a temática da EA fosse desenvolvida, culminando com a formulação dos princípios e orientações para um programa internacional de EA. O Quadro 1 contém um resumo dessa trajetória e está assim organizado: a) sigla dos principais documentos, conferências, eventos e programas pelas quais percorreu o tema da EA; b) os seus significados e, por último, c) um breve resumo do papel da EA relacionado com esses instrumentos citados.
As orientações para aquele programa internacional de EA acabaram por gerar a Carta de Belgrado (1975). Sobre a Situação da Problemática Ambiental, a Carta introduz que
“Nossa geração foi testemunha de um crescimento e de um progresso tecnológico sem precedentes, que mesmo quando aportou benefícios a muitas pessoas, provocou ao mesmo tempo graves consequências sociais e ambientais. Aumenta a desigualdade entre ricos e pobres, entre as nações e dentro delas; e existem evidências de uma crescente degradação ambiental, sob diferentes formas, em escala mundial. Esta situação, apesar de causada principalmente por um número relativamente pequeno de países, afeta a toda humanidade.” (BELGRADO, 1975, p.1)
  
Quadro 1 – Resumo dos principais eventos da EA.
SIGLA
SIGNIFICADO
Papel na EA
UNESCO
United Nations Educational, Scientifc and Cultural Organization
Londres, 1945. Criada pela ONU, a UNESCO iniciou o debate em torno da educação em sentido amplo, tratando a EA como um das espécies dessa educação, mobilizando governos e a sociedades por meio de seus fóruns e conferências.
MaB
Man and the Biosphere
Paris, 1968. De uma das inciativas da UNESCO, este programa foi criado durante a Conferência sobre a Biosfera com o objetivo de “dilatar” os entendimentos da relação entre os “homens” e o ambiente natural, e impulsionar o conhecimento, a prática e os valores humanos para implantar as boas relações entre os povos e o meio ambiente em todo o globo.
CNUMAH
United Nations Conference on the Human Environment
Estocolmo, 1972. Durante essa conferência, foi criada a Declaração sobre o Ambiente Humano, com 26 princípios. Um desses princípios comenta sobre como é imprescindível um trabalho de educação em questões ambientais.¹
PNUMA
United Nations Environment Programme - UNEP
Criado em 1972, após a conferência de Estocolmo, somou forças com a UNESCO para resolver questões relativas a EA no âmbito das Nações Unidas.
PIEA
Programa Internacional de Educação Ambiental
Criado em 1975 pela UNESCO e pelo PNUMA, em atendimento à Recomendação 96 da Conferência de Estocolmo, que versava sobre a necessidade de implantar a EA de caráter interdisciplinar com o objetivo de preparar o ser humano para viver em harmonia com o meio ambiente. Uma das primeiras atividades do PIEA foi a realização de um Seminário Internacional sobre Educação Ambiental em 1975, no qual foi aprovada a Carta de Belgrado.
CARTA DE BELGRADO
Documento Intergovernamental
Belgrado, 1975. Em resposta às recomendações da Conferência de Estocolmo, a UNESCO promoveu em1975, na Iugoslávia, um encontro internacional sobre EA, reunindo representantes de todos os países ligados a ONU. O encontro culminou com a formulação dos princípios e orientações para um programa internacional de EA. Essas recomendações geraram a Carta de Belgrado.
Fonte: Silva & Abreu, 2012, p.4 
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¹ Principle 19

Education in environmental matters, for the younger generation as well as adults, giving due consideration to the underprivileged, is essential in order to broaden the basis for an enlightened opinion and responsible conduct by individuals, enterprises and communities in protecting and improving the environment in its full human dimension. (CNUMAH, 1972, p. 3)
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                        De acordo com a Carta de Belgrado (1975), é vital que todos os cidadãos do mundo insistam em medidas que apoiem um tipo de crescimento econômico que não tenha repercussões prejudiciais para as pessoas, para seu ambiente, nem para suas condições de vida. A reforma dos processos e dos sistemas educativos tornam-se, dessa forma, indispensáveis para a elaboração de uma nova ética global, onde as pessoas deverão adequar as suas prioridades, assumindo um compromisso com a melhoria da qualidade do meio ambiente. É nesse contexto que a Carta de Belgrado (1975) afirma que
“Os governos e formuladores de políticas podem ordenar mudanças e novos enfoques para o desenvolvimento, podem começar a melhorar as condições de convívio no mundo, mas tudo isso não deixa de ser solução de curto prazo, a menos que a juventude mundial receba um novo tipo de educação. Isso vai requerer a instauração de novas e produtivas relações entre estudantes e professores, entre escolas e comunidades, e ainda entre o sistema educativo e a sociedade em geral.” (BELGRADO, 1975, p.2)

            Finalizando o tópico da Situação da Problemática Ambiental, a Carta de Belgrado (1975) coloca que devem ser colocados os fundamentos para um programa mundial de EA que possibilitará o desenvolvimento de novos conhecimentos e habilidades, de valores e atitudes, enfim, um esforço direcionado a uma melhor qualidade do ambiente, e de fato, para uma melhor qualidade de vida para as gerações presentes e futuras. Percebe-se, neste ponto, a influência dada pela Carta de Belgrado (1975) à L9795. A referida lei entende a EA como um processo por meio do qual o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.
            Em outro tópico, Destinatários, a Carta de Belgrado (1975) afirma que o destinatário principal da Educação Ambiental é o público em geral, que se divide em duas categorias, conforme o Quadro 2 abaixo:
Quadro 2 – Destinatários da EA
SETOR
PÚBLICO
1.       O setor da educação formal
alunos da pré-escola, ensino básico, médio e superior, professores e os profissionais durante sua formação e atualização
2.       O setor da educação não formal
jovens e adultos, tanto individual como coletivamente, de todos os segmentos da população, tais como famílias, trabalhadores, administradores e todos aqueles que dispõem de poder nas áreas ambientais ou não.
Fonte: Elaborado por Silva & Abreu, 2012, p. 5  (adaptado de BELGRADO, 1975)
A L9795 esclarece que a EA é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal. Assim como fez a Carta de Belgrado (1975), para diferenciar as suas categorias de ensino, a L9795 apresenta duas seções para explicar as duas categorias de ensino: a Seção II - Da Educação Ambiental no Ensino Formal e a Seção III - Da Educação Ambiental no Ensino Não Formal.
Ao final do documento, a Carta de Belgrado (1975) expõe uma lista de Diretrizes Básicas dos Programas de Educação Ambiental. Algumas dessas diretrizes afirmam que EA deve examinar todo o desenvolvimento e crescimento a partir do ponto de vista ambiental e se basear nas condições ambientais atuais e futuras (BELGRADO, 1975, p. 3). O Quadro 3 apresenta algumas das diretrizes da Carta de Belgrado que influenciaram alguns dispositivos da L9795.
Quadro3 – Diretrizes de Belgrado que influenciaram dispositivos da L9795.
Diretrizes da Carta de Belgrado (1975)
Dispositivos da Lei nº 9.795/1999
1 - A EA deve considerar o ambiente em sua totalidade – natural e criado pelo homem, ecológico, econômico, tecnológico, social, legislativo, cultural e estético.
Um dos princípios básicos da EA é conceber o meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade. (Art. 4º, II)
2 - A EA deve ser um processo contínuo, permanente, tanto dentro como fora da escola.
A EA é um componente essencial e permanente da educação nacional. (Art. 2º)
3 - A EA deve adotar um método interdisciplinar
As ações de estudos, pesquisas e experimentações voltar-se-ão para o desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando à incorporação da dimensão ambiental, de forma interdisciplinar, nos diferentes níveis e modalidades de ensino; (Art. 8º, § 3º, I)
4 - A EA deve enfatizar a participação ativa na prevenção e solução dos problemas ambientais.
Desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando à participação dos interessados na formulação e execução de pesquisas relacionadas à problemática ambiental. (Art. 8º, § 3º, III)
5 - A EA deve examinar as principais questões ambientais em uma perspectiva mundial, considerando, ao mesmo tempo, as diferenças regionais.
Apoio a iniciativas e experiências locais e regionais, incluindo a produção de material educativo; (Art. 8º, § 3º, V)
6 - A EA deve promover o valor e a necessidade da cooperação a nível local, nacional e internacional, na solução dos problemas ambientais.
Participação de empresas públicas e privadas no desenvolvimento de programas de educação ambiental em parceria com a escola, a universidade e as organizações não-governamentais; (Art. 8º, § 3º, III do parágrafo único)
Fonte: Elaborado por Silva & Abreu, 2012, p. 6 (adaptado da L9795 e BELGRADO (1975))
            De acordo com Barbieri & Silva (2011, p. 56), a falta de proposições concretas e uma visão pouco realística foram as críticas mais frequentes à Carta de Belgrado. Porém, percebe-se a influência forte que sofreu a L9795, tornando aquele documento um dos mais importantes sobre EA em termos de conceitos, princípios e diretrizes associados ao desenvolvimento sustentável.

Referências
BARBIERI, José Carlos ; SILVA, Dirceu da. Desenvolvimento Sustentável e Educação Ambiental: uma trajetória comum com muitos desafios. RAM - Revista de Administração Mackenzie, v. 12, p. 51-82, 2011.

BARBIERI, J.Carlos. Gestão ambiental empresarial: conceitos, modelos e instrumentos. 2 ed. São Paulo, SP: Saraiva, 2007.

BRASIL. Lei n. 9.795, de 27 de abril de 1999. Institui a Política Nacional de Educação Ambiental. Diário Oficial da União, Brasília, seção 1, p. 1-4, abr. 1999.

BELGRADO. Carta de Belgrado: Uma estrutura global para educação ambiental, 1975. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/deds/pdfs/crt_belgrado.pdf>. Acesso em 20 SET 2012.

CNUMAH. Declaration of the United Nations Conference on the Human Environment. Stockholm, 1972. Disponível em:
<http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?documentid=97&articleid=1503>. Acesso em: 10 OUT. 2012

SILVA, A. M.; MEIRELES, F. R. S. ; ABREU, M. C. S. . Educação Ambiental em uma Instituição de Ensino: Motivações, Contribuições e Dificuldades. In: Encontro Internacional sobre Gestão Empresarial e Meio Ambiente - Engema, 2013, 2013, São Paulo. ENGEMA, 2013. v. XV.

SILVA, Adriano Monteiro da; ABREU, Mônica Cavalcante Sá de. A Educação Ambiental em um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia: Diagnóstico e Percepções. Disciplina de Gestão Socioambiental. Mestrado em Administração e Controladoria. Universidade Federal do Ceará, 2012.

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